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Lolita [Vladimir Nabokov] | resenha

Clássicos 6 de agosto de 2010 Aline T.K.M. 9 comentários

A mais famosa obra do russo Vladimir Nabokov, Lolita é um best-seller polêmico. Ao menos o era na época de seu lançamento, em 1955. Claro que hoje causa menos impacto, mas a falta de pudor e o aspecto imoral da obra são características impossíveis de serem ignoradas.

O livro nos traz Humbert Humbert (é assim, repetido mesmo) narrando em primeira pessoa sua obsessão por meninas púberes (entre 8 e 14 anos), às quais ele denomina “ninfetas”. Após uma série de insatisfações na Europa, Humbert, então um homem de meia-idade, muda-se para os EUA, e acaba por hospedar-se na casa de Charlotte Haze. A partir do momento em que conhece a filha de 12 anos de Charlotte, Dolores Haze, Humbert desenvolve uma grande paixão e obsessão pela menina.

O protagonista nos fala abertamente de seu lado pedófilo, de forma até “natural”, o que pode espantar um pouco os desavisados. Mas, ao contrário do que podem pensar, não considero a narrativa como sendo vulgar, e palavras de baixo calão não são utilizadas. A franqueza, essa sim dá as caras em todos os momentos, já que Humbert detalha seus atos, pensamentos e opiniões.

[...] ao longo de toda uma vida de pedofilia, já adquirira uma certa experiência, havendo possuído visualmente incontáveis ninfetas salpicadas de sol nos parques e me espremido, com depravada cautela, nos cantos mais quentes e apinhados de ônibus repletos de escolares.

Humbert é um protagonista com o qual é impossível haver uma identificação da parte dos leitores por razões óbvias, mas ao mesmo tempo é inevitável torcer para que ele fique bem, de alguma forma. Humbert sofre bastante, e é claramente notado algum desvio de ordem psicológica em sua personalidade; suas adoradas ninfetas perceptivelmente representam a menina Annabel por quem Humbert se apaixonou ainda criança, e ele parece buscá-la em cada garota que cruza seu caminho.

Humbert não se sente atraído por mulheres adultas; ainda que reconheça a beleza de algumas, constantemente refere-se a elas de forma repulsiva. Sente também notável aversão por garotas universitárias. No trecho abaixo vemos um exemplo de como ele se refere – de forma um tanto machista, inclusive – às mulheres com quem saía ("satisfazendo" suas necessidades sexuais):

As fêmeas humanas que me era permitido manusear eram apenas agentes paliativos.

Lolita me pareceu uma obra bastante completa, na maior parte do tempo envolta em uma atmosfera densa, mas com direito a pequenas aberturas através das quais o espírito do protagonista parece inundar-se de felicidade – efêmera e um tanto questionável, porém sincera.

Sendo o próprio Humbert quem narra o romance, a personagem de Lolita fica restrita à visão dele. Somente sabemos dela o que Humbert nos conta, e é particularmente interessante como não conseguimos enxergar Lolita como uma “criança” de 12 anos (eu, pelo menos, não consegui). Apesar de ter lá seus momentos infantis, a meu ver, a garota assemelha-se mais a uma adolescente ou jovem adulta que alterna momentos de malícia, rebeldia e inocência conforme suas necessidades e interesses pessoais. Mas isso é o que Humbert nos permite – ou nos direciona a – enxergar. Ele pinta uma Lolita cínica, até interesseira, que mostra aversão a atitudes que sugerem romantismo e que parece brincar com os sentimentos dele o tempo todo. Apesar disso, não descarto a hipótese de Lolita ser apenas uma criança travessa, por vezes confusa com a série de acontecimentos em sua vida durante a puberdade, tendo que lidar com a descoberta do sexo e de sentimentos tão novos na vida de qualquer menina de sua idade. Ao mesmo tempo, acredito que a falta da figura paterna e o aparecimento de Humbert, a princípio como namorado de sua mãe, a faz projetar nele sentimentos que teria por seu pai.

Apesar de finalizarmos a leitura com uma sensação de não conhecermos direito quem é Lolita – não sabemos o que ela pensa nem o que motiva seus atos –, acabamos nos flagrando sensibilizados por um Humbert triste, incompleto e que busca incansavelmente por alguma peça perdida em sua vida.

Lolita é uma obra imperdível, capaz de fazer com que nos deparemos com opiniões e sentimentos conflitantes acerca das personagens e acontecimentos. Não é possível odiar completamente o homem que relata as tantas situações repugnantes do livro, mas de igual forma é impossível defendê-lo. Esse clássico de Nabokov me faz pensar que a relação entre Humbert e Lolita, além de possuidora de peculiar beleza, assemelha-se à vida de uma forma geral: contraditória, difícil de ser julgada, e irremediavelmente incompreendida em sua totalidade.

Em tardes particularmente tropicais, na pegajosa intimidade da sesta, eu gostava de sentir o frescor da poltrona de couro contra minha nudez maciça enquanto a tinha em meu colo. Lá ficava ela, como qualquer criança, a enfiar o dedo no nariz enquanto lia as seções menos exigentes do jornal, tão indiferente a meu êxtase como se estivesse sentada sobre um objeto qualquer – um sapato, uma boneca, o cabo de uma raquete de tênis – e fosse preguiçosa demais para afastá-lo.

Título: Lolita
Título original: Lolita
Autor(a): Vladimir Nabokov
Tradução: Sergio Flaskman
Editora: Alfaguara
Edição: 2011
Ano da obra: 1955
Páginas: 392
Onde comprar: Submarino | Livraria da Travessa | Amazon (edição Kindle)

Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!

 

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9 comentários

  1. Que interessante, mas deve ser difícil de ler e aceitar o q o cara faz.

    Bjo

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  2. Nossa... já havia lido sobre esse livro, mas agora realmente me interessou. Parabens pelo blog, muito bom!
    Não posso deixar de dizer que me interessei também pelo seu perfil, pois meu namorado está cursando publicidade e propaganda, vou indicar seu blog à ele.
    Aproveito para convidar você para fazer uma visita ao meu blog:
    http://momentohellenchristine.blogspot.com/
    sobre livros
    e se te interessar o blog do meu namorado comunicólogo:
    http://rodrigosupernova.blogspot.com/
    Um blog sobre tudo.

    Grande beijo,
    Hellen Christine

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  3. O seu blog é muito inteligente, interessante e sagaz - do jeito que gosto, aprecio. Parabéns!!!


    Eu ainda, com certeza, vou ler Lolita.

    Beijão!!!

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  4. Adorei a resenha! Muito boa mesmo. Mas confesso que não tenho interesse neste livro...
    Bjo.

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  5. oi, obrigado por ter retribuido a visita... Adorei seu blog, principalmente por ele ser bem original. Que legal vc tbm falar francês, essa semana eu começo o nivel intermediário, quem sabe agente não troca umas figurinhas???
    P.s.: A irlanda é linda...

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  6. Aline,
    Vim parar em seu blog por acaso (como quase sempre acontece), e me deparei com seu post sobre Nabokov. Concordo com quase tudo que você escreveu, mas ressalvo que o tema da "pedofilia" em Lolita é apenas um contraponto para produzir um texto excepcional - o choque que ele provoca ressalta a qualidade literária. Acho uma obra prima, tanto mais se pensarmos que foi escrito em inglês por alguém que teve o russo como língua mãe.
    Aliás, sobre isso, observei que você leu uma tradução diferente da minha (a minha é uma edição de 1981, tradução de Brenno Silveira). No meu texto, o trecho que você citou, "em minha vida de pedofilia" é suavizada pela menção latina menos comum "em meminha vida de pederosis" - tal como no original inglês "in my life of pederosis". Do mesmo modo, em meu livro lê-se "as mulheres humanas com as quais me era permitido lidar", e não "as fêmeas humanas que me era permitido manusear" do teu texto, e que parece mais de acordo com o original "human females I was allowed to wield". De quem é a tradução do teu exemplar?
    Sou apaixonado por livros,embora tenha uma profissão completamente distinta. Assim, brinco com minha "amante" literatura aqui na blogosfera. Vou olhar com calma o teu blog.
    Um abraço!
    Arlei - http://polifonias.wordpress.com

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  7. Oi Ariel,
    Bom, respondendo depois de muitooo tempo (mil desculpas!), minha edição de Lolita é uma da Biblioteca Folha, 2003. A tradução é de Jorio Dauster.
    Achei bem interessante saber dessas diferenças entre os textos.

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  8. Adorei sua resenha. Comecei e abandonei esse livro, mesmo querendo muito ter lido. Mesmo concordando com voce que ele é muito bom.
    Acho que o estilo do autor não me conquistou.
    Beeijos!

    booksmylovers.blogspot.com

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  9. tinha lido boa parte do livro, mas acabei parando e depois de um festival de cinema q teve por aki passou o filme que stanley kubrick dirigiu, bem antigo, mas relata pelo q vi de forma ate fiel, mas devido ao horario n consegui ficar até o fim o que me causou certa curiosidade, espero le-lo ate o fim um dia para saciar minha curiosidade....
    e realmente por mais q não mais no choquemos tanto quanto a epoca em que foi lançado... podemos ainda nos chocar com as atitudes da propria menina que não eh vulgar, mas se mostra bastante "desenvolvida"

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